Não havia muitas opções, mas ele já sabia o que tinha ido buscar: uma barra de chocolate meio-amargo. Desviou de um supervisor do supermercado que saía com uma caixa da Lacta e se posicionou na frente do seu objeto de desejo. Bastava escolher a marca, mas até isso foi fácil, só tinha uma última e solitária barra da Lacta. Deu uma geral no pacote, desconfiado, e constatou que estava tudo certo, a não ser por um pequeno amassado no código de barras.
Continuou até a seção de bebidas, não se conteve e pegou mais três garrafas de Original. Estavam caras, R$ 3,40, mais caras que o normal, mas valiam a pena. "Pagava mais caro pra beber na Bélgica, em euros, agora que estou aqui vou muquiranar?" - pensou.
Chegando a um dos dois caixas abertos, depositou suas compras e aguardava pacientemente o bipar da caixa passando os itens pela leitora de código de barras tamborilando em sua carteira com o cartão de crédito. "Preciso ligar no cartão pra ver se não deixam de me cobrar anuidade", pensou, lembrando de quanto dinheiro já tinha jogado fora com essa brincadeira de anuidade e, já um pouco irritado, dispensou os pensamentos.
Quando despertou do devaneio deparou-se com a caixa olhando pra sua cara:
- Falou comigo?
- Sim senhor, parece que há um problema no sistema, o código de barras da cerveja não está passando. Chamei o meu supervisor que vai estar dando uma olhada no problema.
- Mas não dá pra digitar o preço?
- Não senhor, o sistema não aceita, só com código de barras.
- Tá, então passa só o chocolate e tudo bem.
- Sim senhor.
Uma, duas, três tentativas e nada:
- O chocolate também está com problema, senhor, só um minuto que vou chamar meu supervisor pra ele colocar a chave e digitar um código que vai me permitir digitar o número do código de barras...
- Tá de brincadeira, né...
Cinco minutos depois, tempo suficiente pra dar uma volta no supermercado inteiro, chega o supervisor:
- Boa noite, senhor, vou estar liberando a digitação do código, só um momento, por favor.
Mais cinco minutos, digitação liberada, lá vai a caixa: tec, tec, tec, tec, tec, tec, tec, tec, com uma velocidade de digitação de impressionar servidor público de mau-humor em dia feriado. Depois de digitar o código para cada uma das três garrafas de cerveja idênticas, chegou a hora do tão esperado chocolate. Mas a mensagem que apareceu no monitor era desesperadora: Produto não identificado.
- Como pode ser se só havia o último chocolate? Como é que vocês conseguiram vender todos os outros? - o tom de indignação estava difícil de conter, pressionado pelos olhos dos outros clientes que aturavam a demora.
- Posso ter digitado errado, senhor, vou estar tentando novamente.
Segunda tentativa, nada. Não foi até a quinta tentativa que a moça percebeu que o risquinho no código de barras havia alterado um 7 para 1. Quando viu o preço do chocolate, quase caiu de costas: custava quase o mesmo que três garrafas de cerveja da boa: R$ 9,70 por um pedaço de cacau com um pouco de açúcar.
- Tá de brincadeira de novo, né? É pegadinha? Cadê a câmera?
- Cartão de crédito ou débito?
- Crédito.
Passa, digita, espera... nada. Digita, passa, espera... nada. Digita, passa, digita, espera, passa, espera, digita e até que enfim:
- O servidor está fora do ar, senhor, tem outro método de pagamento?
Sacou a carteira, puto, arrancou a única nota que tinha na carteira, de vinte reais, rasgando um pedacinho e entrega pra moça do caixa. Ela olha pra nota, repara no pedacinho rasgado, olha pra cara dele e decide que não vale a pena torturar o coitado ainda mais, abre a caixa registradora e devolve cinco reais de troco, em vez de R$ 0,10.
Sem nem titubear com a perspectiva da justiça poética que seria pegar troco a mais pelo roubo que cobravam por uma mísera barra de chocolate, olhou pra ela com ar superior e disse:
- Pode ficar com o troco, obrigado.
Saiu do mercado irritado, olhou pro chocolate já sem tanta vontade de comê-lo, mas com a sensação de vitória e de missão cumprida após a epopéia. Abriu a barra sentado no seu carro, deu uma grande mordida e se lembrou porque havia aturado tanta ignorância. Deixou um pedaço derreter na boca antes de morder outro, acomodou as garrafas que ainda estavam esquentando em seu colo no pé do banco do passageiro, colocou a chave no contato e girou. Saiu do mercado entregando o cartãozinho do estacionamento e parou no farol. Nisso chega um menino com uma caixa de papelão rasgada:
- Tio, quer chocolate? Um por cinco, três por dez.
Virou-se pra responder não e reparou que era a mesma caixa que viu o supervisor levar ao passar por ele no corredor de guloseimas. E ele sem um centavo na carteira...
A vida cotidiana e o dia-a-dia diário de um paulistano... huahuahaua
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